Embora fosse de outra ordem a principal discussão em torno dos cavaletes de cristal, aspectos técnicos e de segurança se sobrepuseram e foram os principais argumentos oficiais para a sua desmontagem. Há quase vinte anos fora do Masp, voltam à exposição em uma reconstrução que dedica especial atenção a esses mesmos aspectos técnicos. Superadas as ressalvas técnicas, será possível agora rever e reavaliar as intenções originais, seus efeitos e sua brilhante formalização — a desmaterialização quase total do suporte, paradoxalmente obtida através de técnica rudimentar e de uma materialidade expressiva, mecanismo recorrente na poética de Lina Bo Bardi. Os cavaletes de cristal podem ser considerados parte do acervo e patrimônio do museu, não apenas por sua importância na história dos modos de expor obras de arte, mas pela conexão íntima de suas origens com os espaços imaginados por Lina para o edifício do Masp.
O projeto de reconstrução dos cavaletes estabeleceu suas premissas e seus objetivos a partir de uma pesquisa extensa sobre toda a documentação disponível relacionada a eles. A maior parte do material é composta por imagens de um protótipo e das diversas configurações de montagem da pinacoteca do museu ao longo dos quase trinta anos em que foram utilizados. Com a exceção de um croqui de Lina, não há, no centro de documentação do Masp ou no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, registros de projeto, levando-nos a crer que foi desenvolvido de forma bastante empírica. Outras fontes muito relevantes foram a análise e o levantamento detalhados dos vários tipos de cavalete remanescentes e, especialmente, relatos sobre o funcionamento do sistema fornecidos por quem participou das montagens anteriores e ainda integra a equipe do museu.
O sistema, muito simples, é composto por uma base pesada em concreto, para manter o conjunto estável, e uma lâmina de vidro, com a função de fixar a obra em posição adequada à observação. A fixação do vidro à base se dá por meio de uma cunha em madeira e um parafuso, que permite pressionar o vidro, mantendo-o seguro. Nas áreas de contato do vidro com a madeira e o concreto há uma manta de proteção em borracha. Foram promovidas algumas mudanças no desenho das peças, no entanto, os materiais e o princípio de funcionamento do conjunto foram rigorosamente mantidos. Os principais ajustes foram feitos no sentido de garantir maior resistência aos blocos de concreto; incorporar a possibilidade de nivelamento do conjunto; permitir o funcionamento pleno da cunha com um sistema de aperto com maior eficiência e durabilidade; padronizar a dimensão e furação dos vidros para permitir a substituição de obras sem a necessidade de substituir também o vidro (na versão original, cada vidro correspondia a uma única obra, com furos em posições específicas); aumentar a proteção às arestas dos vidros para evitar rupturas e reduzir possíveis vibrações indesejáveis, com o uso de amortecedores adequados.
Ao cubo em concreto, foi introduzida uma armação de aço interna a fim de evitar seu rompimento. Além disso, foi concretada no interior do bloco uma peça em aço inox que permite o alojamento da porca inferior e garante a integridade do canal interno pelo qual passa o parafuso, especialmente em suas bordas. Também foram feitos rebaixos na face inferior do cubo para o alojamento dos calços, necessários para nivelar o conjunto no piso irregular do museu, substituindo as cunhas improvisadas de madeira anteriormente empregadas.
Foram mantidas as dimensões e proporções originais e a utilização de formas de madeira bruta, com o uso de concreto em traço convencional, para manter o aspecto original.
A cunha em madeira maciça recebeu apenas um rebaixo, para o alojamento da cabeça do parafuso, e um alargamento do canal central, para permitir a movimentação do parafuso quando pressionada. Nas peças originais, a contradição entre o movimento necessariamente diagonal da cunha e a posição vertical do parafuso implicava inevitavelmente sua deformação.
O sistema original contava com um parafuso, cuja cabeça ficava sob o cubo, em contato direto com o concreto, com a rosca aflorando acima da face superior da cunha em madeira. Sobre a cunha, uma porca e arruela simples permitiam o aperto do sistema. O novo desenho inverte a posição do parafuso, mantendo a cabeça na parte superior, em um alojamento na cunha em madeira, e a porca próxima ao chão. Uma arruela com furo oblongo na parte superior garante o aperto sem danificar a madeira e permite o deslocamento do parafuso para absorver as diferenças de alinhamento provocadas pelo movimento diagonal da cunha. Na parte inferior, a porca está alojada em um recesso criado no concreto e conta com uma arruela em neoprene.
Os vidros seguem as especificações originais, embora com qualidade superior, dada a evolução dos métodos de fabricação e controle da produção. São temperados, com 10 mm de espessura, e foram fabricados em quatro larguras (0,75 m, 1,00 m, 1,50 m e 2,20 m, este último nunca produzido, embora constasse do croqui original), todos com a mesma altura (2,40 m).
A furação mantém um padrão de distância entre o eixo de exposição das obras e entre os dois furos para cada largura de vidro.
A maior adaptação feita ao sistema foi o modo de fixação das obras ao vidro. Com a finalidade de torná-lo mais flexível, permitindo a montagem de diferentes obras em um mesmo suporte, foi introduzida uma barra em aço inox fixada nas contramolduras — peças em madeira instaladas na parte posterior de todas as obras a serem expostas. Com furação oblonga na mesma posição-padrão da furação dos vidros, a travessa permite fixar e nivelar a obra de modo rápido e seguro. Para proteger as arestas dos furos no vidro e garantir a segurança da fixação, foram produzidas buchas em aço inox que alojam a cabeça do parafuso, encapadas por proteção em náilon, evitando o contato direto do aço com o vidro.
O material das mantas de borracha de proteção do vidro foi substituído por mantas elastoméricas com maior durabilidade e resistência, já que a utilizada originalmente ressecava e perdia gradativamente a elasticidade. Desse mesmo material foram feitos calços em diversas alturas. Essas peças, colocadas sob a base em rebaixos feitos na face inferior do cubo de concreto, permitem nivelar o conjunto e, simultaneamente, absorver vibrações que possam ser prejudiciais às obras. A dureza e o grau de absorção de vibração do material — normalmente empregado em dispositivos antivibração industriais — foram determinados após a identificação das frequências predominantes no segundo pavimento do museu, por meio de medição especializada.
Referências bibliográficas e fontes de pesquisa
ANELLI, R. L. S. O Museu de Arte de São Paulo: o museu transparente e a dessacralização da arte. São Paulo: Portal Vitruvius, 2009. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2014.
BARDI, P. M. História do MASP. São Paulo: Instituto Quadrante, 1992.
CAFFEY, S; CAMPAGNOL, G. Dis/Solution: Lina Bo Bardi’s Museu de Arte de São Paulo. Disponível em: . Acesso em 22 jul. 2015.
____________. Explicações sobre o Museu de Arte. O Estado de S.Paulo. 5 abr. 1970.
MASP, Carta Dirigida ao IPHAN, PRE-501/2003, São Paulo, 24 out. 2003.
MIYOSHI, A. Arquitetura em Suspensão: o edifício do Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Armazém do Ipê, 2011.
Ficha Técnica:
Início do projeto: Janeiro de 2015
Conclusão do projeto: Dezembro de 2015
Endereço: Avenida Paulista, 1578
Área exposição: 2.000m²
Projeto de arquitetura: Martin Corullon, Gustavo Cedroni, Helena Cavalheiro, Juliana Ziebell
Maquete: Juliana Ziebell, Luis Tavares, Marina Pereira, Marina Cecchi
Produção: Marina Moura, Izabela Malzone, Gabriela Fraga, Patrícia Felício
Protótipos: Abividros, Artos Comércio de Móveis Ltda, Stone Pré-fabricados Arquitetônicos Ltda, Tresuno Criações em Concreto, DDF Produções Cinematográficas, ITA Construtora, Hermann Goppert, Mekal Metalúrgica Kadow Ltda, Contato Visual Comércio e Indústria Eireli, Samber Indústria e Comércio, Plastireal Indústria e Comercio Ltda, Elastim Maborin
Produção final: Abividros, Stone Pré-fabricados Arquitetônicos Ltda, Artos Comércio de Móveis Ltda, Mekal Metalúrgica Kadow Ltda, Elastim Maborin
Agradecimentos: Stone, Artos, Mekal, IEME Brasil, Hélio Olga, Abividros, Empório da Madeira
Fotos Expografia: Eduardo Ortega
Fotos Montagem: Ilana Bessler